COVID-19
“Temo todos os dias. Não sei como teria acesso”
Do Campus Pau dos Ferros, Lívia demonstra preocupação sobre a possibilidade de aulas online
Publicada em 26/05/2020 ― Atualizada em 30 de Março de 2023 às 06:33

"Quando essa pandemia nos atingiu, logo pensei: e agora, como vou
estudar?". Esse é questionamento de Lívia Ellen de Oliveira, estudante
do 3º ano do Curso Técnico Integrado em Alimentos no Campus Pau dos
Ferros, como também de muitos outros estudantes do IFRN que não possuem
acesso diário à internet de qualidade.
E se as aulas retornassem de forma online? “Temo todos os dias, não
sei como faria para ter acesso”, responde Lívia. Ela explica que, sem
internet, tem usado os livros para estudar. “Mas infelizmente o recurso é
limitado, nem sempre consigo as informações que preciso”, complementa.
Lívia mora na Comunidade Xique-Xique, no município de Pilões. Como 36%
dos estudantes do IFRN, não tem acesso diário à internet. Como 64%, não
possui computador em casa. Os dados foram extraídos do Suap (sistema
administrativo e acadêmico do IFRN) e refletem a realidade de muitos dos
estudantes do Instituto, no interior e na capital.
Lívia tem um celular, mas a configuração básica não permite baixar
nem armazenar arquivos, muito menos acompanhar transmissões online ou
fazer atividades. Seu acesso à internet depende da compra de créditos
para o sinal 3G, o que não é possível sempre. Seus pais são
agricultores. A renda da família, menor que um salário mínimo, é formada
pelo programa governamental Bolsa Família e pelo que o pai consegue
através da agricultura. Com cinco pessoas em casa, Lívia está no grupo
dos 64,25% de estudantes do IFRN que possuem renda familiar per capita
menor que meio salário mínimo.
“Tem sido difícil manter a esperança. A nossa realidade é
assustadora, nosso futuro parece que virou um bosque escuro cheio de
névoa. Eu penso todos os dias nas vidas que se vão, nas vidas que ficam,
nas pessoas que estão com seus sonhos paralisados. O mundo parou,
estamos ‘presos’, mas a educação não, não há grades que sejam capazes de
segurar a educação. O problema é quando não temos como alcançá-la, o
que é o meu caso e de centena de jovens. Nós somos a única esperança de
mudar o cenário dessa sociedade, mas como fazer se não podemos
estudar?”, refletiu.
O raciocínio de Lívia confirma as preocupações do professor José Roberto Oliveira, diretor-geral pro-tempore do Campus
Natal-Zona Leste. A unidade do IFRN é especializada em educação a
distância. O professor levanta a problemática: “não se faz EaD com
qualidade sem uma infraestrutura tecnológica, de polos e laboratórios,
para acesso dos estudantes, dando condições para que tenham acesso aos
conteúdos, às aulas, às atividades. Muitos estudantes, principalmente da
rede pública, não dispõem em suas casas de equipamento, acesso à
internet, espaço adequado para estudo, sem falar de alimentação, pois
muitos só conseguem ter três refeições por causa da merenda escolar”.
O professor explica ainda que são necessários metodologia e conteúdo
próprios para a modalidade, que requer uma linguagem específica, além de
tempo para planejamento e preparação. Destaca também a exigência de uma
relação de mediação entre professor e estudante em que “o professor não
é o centro do processo, o detentor do conhecimento que passa um
conteúdo, mas sim um mediador que conduz o estudante na construção do
conhecimento”, explica.
Nesse sentido, disponibilizar material não é o suficiente. É
necessário que o professor tenha condições plenas de interagir com o
estudante. O diretor pontua ainda a necessidade de que haja
acompanhamento e avaliação: “não se faz EaD de qualidade sem uma equipe
que acompanha o estudante, que motiva, engaja, dá suporte para a
permanência e o êxito, visto que é uma modalidade que exige muita
autodisciplina, autorresponsabilidade”, frisou.
Para Lívia, a estrutura física do Campus Pau dos Ferros é
imprescindível para que possa desenvolver seus estudos e pesquisas. “Os
recursos do Campus são maravilhosos, acesso livre à rede de
computadores, acervos de livros e toda a flexibilidade dos professores a
nos atender a tempo e a hora”, declarou. Mas desde que começou a
pandemia da Covid-19, com as medidas de proteção encaminhadas por órgãos
como a Organização Mundial da Saúde e decretos governamentais e a
suspensão do calendário acadêmico, Lívia não conta mais com essa
estrutura.
A partir dos dados de acesso dos estudantes às Tecnologias de
Informação e Comunicação (TICs) e das complexidades para a implantação
da Educação a Distância como modalidade de ensino, a Pró-Reitoria de
Ensino do IFRN (Proen), junto ao Comitê de Ensino (Coen), decidiu pela
suspensão do calendário acadêmico, o que foi validado pela Portaria
530/2020, de 20 de março de 2020, e referendado pela Resolução 22/2020
do Conselho Superior do IFRN (Consup). “A retomada de atividades
presenciais só pode ser cogitada com base num cenário epidemiológico
local. A curva de casos no RN está ainda em fase de ascensão e a taxa de
isolamento em torno de 41%, ou seja, o risco de consequências danosas à
população do estado é de grau elevado. Assim, permanece o entendimento
de manter o isolamento”, explicou Thiago Raulino, presidente do Comitê
de Enfrentamento à Covid-19 no IFRN.
(O contato com Lívia foi através do aplicativo WhatsApp, com
conversas interrompidas e reiniciadas nos dias em que a estudante
conseguia acesso à internet).