DESIGUALDADES
"Estudar de forma remota e sem acesso à internet é extremamente limitativo"
Micael é do Sítio São José, de Coronel João Pessoa, e faz o curso técnico integrado no IFRN junto com a sua irmã
Publicada em 28/05/2020 ― Atualizada em 30 de Março de 2023 às 07:11

Micael Matias de Carvalho e Mikaela
Matias do Nascimento são irmãos e estudam no Campus Pau dos Ferros do IFRN.
Ele, com 17 anos, faz o segundo ano do Curso Técnico em Informática. Ela, com
15, faz o primeiro ano do Curso Técnico em Informática.
Como milhares de brasileiros, viram
as atividades acadêmicas se suspenderem em março deste ano em razão da pandemia
de Covid-19. Mas enquanto muitos desses estudantes conseguem utilizar o tempo
em casa para pesquisar temas de interesse ou acessar material didático
disponível online, Micael e Micaela enfrentam dois impedimentos: não possuem computador
nem acesso à internet.
Eles moram no Sítio São José, em Coronel
João Pessoa, município a 50 km de Pau dos Ferros. “Estudar de forma remota e
sem acesso à internet é extremamente complicado e limitativo, já que nós,
estudantes não vistos pela maioria dos nossos representantes governamentais,
podemos utilizar apenas de livros - quando temos”, explicou Micael.
Micael demonstra uma capacidade
reflexiva ampliada sobre o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs) para a implantação de aulas online: “Sem contato com professores para
tirar dúvidas, sem vídeo aulas, sem participar de encontros virtuais, nosso
aprendizado se torna muito mais difícil justamente porque não temos acesso à
grande parte dos recursos tecnológicos que muitos têm”.
É o que lembra o professor José Roberto Oliveira, diretor geral pro tempore do Campus Natal-Zona Leste. A unidade do
IFRN é especializada em Educação a Distância (EaD). De acordo com o diretor, “O
termo EaD aparece no discurso de muita gente, como solução ou problema, numa
dicotomia polarizadora, que empobrece uma análise da complexidade do tema e
situação”.
O professor lembra que é necessário
falar sobre qualificação profissional da equipe responsável, acompanhamento e
avaliação, conteúdo e metodologias próprios à modalidade, além de políticas de
acesso às TICs. “Muitos estudantes não dispõem em suas casas de equipamento,
acesso à internet, espaço adequado para estudo, sem falar de alimentação, pois
muitos só conseguem ter três refeições por causa da merenda escolar”, destaca.
É a situação financeira que não
permite a Micael e a Mikaela terem computador em casa. “Aqui em casa somos
cinco pessoas. A renda aqui é basicamente o Bolsa Família e algum ‘bico’ que
meu pai arruma de vez em quando”, explica Micael.
O estudante tem consciência da
problemática social, do potencial de transformação e da necessidade das
políticas públicas citadas pelo professor José Roberto: “Digo direto
para minha
irmã que não devemos ter vergonha da nossa situação, porque isso não foi
escolha nossa. A gente não escolheu nascer pobre e sem acesso a muitas
coisas.
Devemos nos motivar a lutar pelos nossos sonhos e nos orgulharmos de
nossa
origem, para mostrar que o grupo que a gente faz parte existe e também
tem
direitos à formação, trabalho”.
O ACESSO ÀS TICs
Aproximadamente 64% dos estudantes do IFRN não possuem computador de
mesa (desktop) em casa, enquanto 43% não possuem notebook. Além disso,
36% deles afirmam não ter acesso à internet diariamente. Os dados foram
extraídos do Suap - sistema administrativo e acadêmico da Instituição.
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