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Pelo direito de ser: IFRN regulamenta uso do nome social
Todo o público interno da Instituição pode solicitar alteração de seus registros
Publicada em 05/04/2017 ― Atualizada em 30 de Março de 2023 às 06:25

“As pessoas ainda brincam muito com a questão da identidade de gênero. Elas parecem não entender a relevância psicológica que tem um nome para uma pessoa. Basta observar: tudo no universo tem o nome e a gente vê que qualquer coisa pode ter um nome. ”
Rebecka de França, aluna travesti da Licenciatura em
Geografia, Campus Natal-Central.
“No meu dia-a-dia, seja no campus ou na vida pessoal, eu me apresento como Eliza para todo mundo e eu me sinto muito bem em poder me expressar da forma que eu me vejo, mas é preciso que as pessoas assimilem a desconstrução que está em curso. ”
Eliza Cavalcante, professora trans, Campus Ceará-mirim do IFRN.
Duas mulheres, duas histórias e muito em comum: Eliza e Rebecka
integram a comunidade do IFRN. Elas, uma professora trans e uma aluna
travesti lutam por reconhecimento e respeito. O cotidiano acadêmico
delas, contudo, acaba de sofrer uma importante mudança: após a sequência
legal dos trâmites internos, os Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
(Consepex) e Conselho Superior (Consup) do Instituto aprovaram,
regulamentaram e normatizaram o uso do nome social na estrutura da
Instituição.
Nome Social
“Nome social é o modo como a pessoa é reconhecida, identificada e
denominada na sua comunidade e no meio social, uma vez que o nome
oficial não reflete sua identidade de gênero ou possa implicar
constrangimento”.
Esse conceito abre o primeiro capítulo da normatização do uso do nome
social no âmbito do IFRN. É ele a base para que todo o público interno
da Instituição possa solicitar a alteração de seus registros junto ao
órgão de educação.
Para Eliza, “por ter a identidade civil condizente com a de gênero, a
maioria das pessoas não entende a importância do nome social para quem
está passando por um processo de mudança de gênero. A regulamentação que
o IFRN faz agora ajuda na conscientização do que é ser uma pessoa
trans, do que é nome social e o que esse avanço representa”.
Para os servidores que desejam alterar o nome social, o caminho é entrar com requerimento no setor de protocolo do campus ou
na Reitoria do Instituto, encaminhado à Diretoria de Gestão de Pessoas.
Os estudantes precisam fazer a solicitação, também por requerimento, na
Secretaria Acadêmica da unidade de ensino em que estiver matriculado.
Caso seja menor de dezoito anos, o pedido deve ser feito na presença do
representante legal. Sendo deferido o pedido, o campo “nome social” será
inserido nos formulários e sistemas de informação do IFRN. Já para os
servidores terceirizados que se enquadrem na situação, o requerimento
deverá ser feito, com cópia do documento de identidade civil, junto à
unidade acadêmica ou administrativa do Instituto à qual estiver
vinculado.
A medida agradou a Rebecka: “tendo sofrido tanto constrangimento,
desde a hora da chamada, posso dizer que essa medida é importante, pois o
reconhecimento desse direito é uma forma de construção da cidadania da
pessoa a partir do seu nome, que é uma coisa tão básica”, comemorou.
O nome social será o único exibido em documentos de uso interno, como
diários de classe, cadastros e carteiras de identificação estudantil,
endereços eletrônicos, formulários, listas de presença, divulgação de
notas e resultados de editais, tanto os impressos quanto os emitidos
eletronicamente pelo sistema oficial de registro e controle acadêmico.
Para os servidores, a nomenclatura constará no cadastro de dados,
comunicações internas e informações de uso social além do endereço de
correio eletrônico, do crachá de identificação funcional, da lista de
ramais e identificará o usuário em sistemas de informática do Instituto.
O estudante, terceirizado ou servidor também deverá ser chamado
oralmente pelo nome social, inclusive em solenidades e em defesa de
monografias, por exemplo. No entanto, os documentos oficiais, como
histórico, declaração e diploma (de uso externo ao Instituto), serão
emitidos com o nome de registro civil, com destaque também para o nome
social, caso solicitado formalmente pelo interessado.
O IFRN e a população trans
Com oito alunos já atendidos em sua solicitação sobre a alteração
cadastral para adequação do nome social, o IFRN já começou a pôr em
prática o texto da normatização aprovada em novembro de 2016. Uma das
alunas já devidamente registrada sob sua identidade de gênero, Rebecka
de França, estudante da Licenciatura em Geografia do Campus Natal-Central,
diz que a Instituição tem se tornado um órgão muito promissor quanto à
receptividade às pessoas travestis e trans: “eu estou me formando em um
lugar de referência, com mais de um século de história para contar para
as pessoas, e que, devido à política do nome social, causa nas pessoas
trans uma vontade imensa de estar aqui”.
Já para Eliza Cavalcante, professora trans lotada no Campus Ceará-Mirim
do IFRN, a medida de adotar o uso do nome social no âmbito do IFRN é
extremamente necessária, pois, para ela, “mesmo que tenha sido sempre
importante esse reconhecimento, nos tempos atuais a visibilidade trans
tem aumentado e as pessoas têm se sentido mais confortáveis para assumir
sua identidade de gênero. No meu caso, é uma grata surpresa a
regulamentação do nome social pelo Instituto. Eu mesma, aqui no Campus Ceará-Mirim,
já dei entrada na Coordenação de Gestão de Pessoas (COGPE) para a
adequação do meu nome nos registros e já consegui a alteração no meu
crachá”, declarou.
Regulamentação
Em abril de 2016, o Decreto Presidencial nº 8.727,
regulamentou o uso do nome social. A medida reconhece a adoção e o
respeito à identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no
âmbito da administração pública federal direta, autárquica e
fundacional. No IFRN, o processo para adoção dessa prática havia
começado ainda antes, em dezembro de 2015, seguindo provocação da
Pró-Reitoria de Ensino (consulte AQUI o processo, em seu inteiro teor). Com a publicação da Resolução nº 54/2016,
do Consup, desde novembro de 2016, trabalhadores de empresas
terceirizadas, servidores e estudantes que tenham identidade de gênero
diferente do que constam em seus registros civis podem solicitar
alteração do nome social junto aos órgãos responsáveis em cada campi ou na reitoria do IFRN.
Para o professor Wyllys Farkatt Tabosa, reitor do IFRN e presidente
dos dois conselhos que aprovaram a normatização, o uso do nome social é
mais um passo na conquista dos direitos das pessoas. “Independentemente
de quem seja, nós, enquanto instituição de educação, precisamos saber
primar pelo respeito às pessoas”, disse. Ele faz questão de destacar que
o ser humano deve ser respeitado na sua individualidade, a despeito de
cor, religião, gênero e orientação sexual. “Vamos defender,
veementemente, o direito de cada uma das pessoas que estão fazendo parte
dessa Instituição, quer sejam alunos, servidores efetivos ou
terceirizados, viverem a plenitude de suas singularidades”, finalizou.
A psicóloga Izabelle Primo, servidora do Campus São Paulo do
Potengi, diz que a decisão do IFRN em adotar o nome social está
alinhada com o respeito à diversidade, princípio do Projeto Político
Pedagógico do Instituto, afinal: “gênero e sexualidade são temáticas que
vêm sendo discutidas em muitos dos nossos campi e, nesse
cenário, a compreensão de que o uso do nome social tende a contribuir
com o processo de inclusão através do reconhecimento e respeito às
identidades de gênero”. A servidora ressalta que a inclusão social é
mais ampla, e exige da comunidade escolar o desenvolvimento contínuo de
estratégias de permanência e de otimização das relações interpessoais
que “devem ser pautadas no respeito e na valorização das diversidades,
dentre elas, a sexual”, finalizou.
Já o professor Agamenon Tavares, pró-reitor de Ensino do IFRN,
entende a resolução sobre o uso do nome social como um marco
institucional no caminho de ações de inclusão, ressaltando que o debate
não se encerra com uma norma, mas encaminha uma diretriz institucional
de respeito à diversidade: “nossa opção pela compreensão da identidade
de gênero possibilita, de forma mais efetiva, o convívio com diferenças,
combatendo a discriminação, valorizando o ambiente escolar como espaço
de avanço social, (re)construção e consolidação de políticas públicas
que nos permitam, institucionalmente, cumprir nossa função social”,
complementou o pró-reitor.
Para saber mais
O que é ser trans?
A definição do conceito de transexual obedece aos preceitos definidos
na Conferência Nacional LGBT de 2008. Ali ficou caracterizada a pessoa
trans como aquela que, por não se identificar com o gênero de seu sexo
biológico, veste-se e se comporta como pessoas do sexo oposto. Essa
pessoa, comumente, manifesta o desejo de modificar seu corpo com ajuda
de hormônios, terapias, implantes de silicone e cirurgia plásticas para,
inclusive, mudar de sexo. Travesti, por sua vez, é aquela pessoa que
realiza quase todos os procedimentos, mas deseja manter o órgão sexual
de origem.
Consepex e Consup
O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepex)
do IFRN é parte integrante da administração geral da instituição e tem
sua representatividade constituída pelos diversos públicos que compõem a
comunidade acadêmica do Instituto. Eleitos em cada um dos 21 campi,
conta com coordenadores de curso, técnicos administrativos, membros das
Equipes Técnico-Pedagógicas (Etep) e representantes da sociedade civil,
além, claro de alunos e professores, juntos ao reitor do IFRN, que é
presidente do conselho, e dos pró-reitores de Ensino, de Pesquisa e
Inovação e de Extensão. Cabe ao Consepex tratar de funções normativas,
consultivas e deliberativas que alcancem matérias acadêmicas,
didático-pedagógicas, científicas, artístico-culturais e desportivas do
IFRN.
Por sua vez, o Conselho Superior (Consup)
é o órgão colegiado máximo do IFRN, com caráter consultivo e
deliberativo, instituído pela Lei de criação dos Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia n.º 11.892/2008. Entre suas competências,
estão a responsabilidade por aprovar a política geral de atuação
institucional, o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), Projeto
Político-Pedagógico (PPP) e o Regimento Geral do IFRN. Cabe, também, ao
Consup: autorizar o reitor a conferir títulos de mérito acadêmico, a
apreciação das contas do exercício financeiro e do relatório de gestão
anual, além das deliberações sobre questões submetidas a sua apreciação.
Documentos
Resolução institucional nº 54/2016 – Normatização do Uso do Nome Social no âmbito do IFRN;
Decreto presidencial nº 8.727/2016 – Dispõe sobre o uso do nome social no âmbito da administração pública federal.